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A Matinê (quase) secreta

Texto: Kelly Lima

Folheando as últimas páginas de um jornal de empregos, popularmente conhecido como “Amarelinho”, volto minha atenção à seção que, provavelmente atrai a curiosidade não apenas de moças e rapazes que buscam oportunidades de “altos ganhos” em “horários flexíveis” mas também de potenciais clientes em busca de prazer.

A vasta oferta de trabalho no mercado do sexo faz pensar que a demanda por este serviço contrasta com a crise que assola o país mas, ao mesmo tempo, pode ser encarada como um indicativo de que a “seção adulta” do “Amarelinho” se apresenta como uma alternativa aos altos índices de desemprego no mercado formal de trabalho.

A mão-de-obra empregada neste setor é basicamente composta por jovens que não estudam (muitas são mães solteiras e não podem contar com o apoio financeiro dos pais de seus filhos), estudantes universitárias e mulheres casadas (cuja renda é essencial no sustento do lar, principalmente nos casos em que seus maridos encontram-se desempregados). Os tais “horários flexíveis” servem como álibi para aquelas – a maioria – que omitem de familiares e amigos sua real atividade.

Engana-se quem pensa que as casas de prostituição ficam lotadas durante as madrugadas. O movimento se dá durante o dia, em horário comercial – o que, de certa forma, ajuda as mulheres que mantém sigilo sobre seu trabalho diário.

Dentre os anúncios, por uma questão logística, selecionei alguns cujas casas estavam próximas umas das outras. A região entre as estações Ana Rosa e Santa Cruz do metrô, concentra pelo menos 5. Visitá-las foi relativamente fácil: entrei em contato prévio por telefone (muitos anúncios apresentam 9090 antes de seus números para que mesmo as candidatas que não possuem créditos em seus telefones celulares possam agendar sua ida), disse que soube da vaga pelo jornal Amarelinho e que gostaria de conhecer o local. Em alguns casos, a atendente era bem direta, perguntando se eu já havia feito programa antes. Em outros, diziam que se tratava de “casa de massagem” e que eu receberia treinamento.

Por precaução – ou medo, talvez – pedi a uma amiga que me acompanhasse em meu tour vespertino até essas casas.

Na casa da luz vermelha

Nossa primeira visita foi a uma casa (localizada próximo ao metrô Ana Rosa) quase acima de qualquer suspeita, não fosse pela escadaria iluminada por uma luz vermelha, em cujo topo havia um portão trancado, monitorado por uma câmera de segurança. O olhar indiscreto lançado pelo dono da banca de jornal, nos dizia que ele conhecia a atividade ali desenvolvida. Ao percorrer os primeiros degraus da escada já era possível sentir a combinação comum a estes estabelecimentos: odor forte de cigarro, Bom Ar e… cheiro de pecado.

Numa antessala, quatro moças fumavam, nos encaravam e conversavam enquanto Célia, a gerente, nos recebia. Mentimos nossos nomes (como todas fazem no mundo da prostituição) e eu perguntei como funcionava (horário de trabalho, valores…). “Vocês estudam?”, perguntou Célia.  “Sim, estudamos à noite”. “Então… aqui abre às 9:00 e funciona até às 2:00 da manhã. A gente pede que a menina fique pelo menos 7 horas por dia aqui. O programa é 60 Reais por meia hora, sendo metade da casa, metade da menina. Por dia, a gente cobra uma taxa de manutenção diária de 10 Reais, pra cobrir nossa despesa com água, luz, toalha limpinha que a gente fornece pra vocês e pros clientes. Horário bom aqui é no horário de almoço e finalzinho de expediente. Vem muito cara de firma, estudante… Vocês já querem ficar hoje pra fazer um teste?”. “Hoje não dá, porque temos um trabalho pra apresentar mas, na sexta-feira é tranquilo voltar aqui. Lá pelas 11 da manhã, pode ser?” (foi a maneira mais gentil que encontrei para declinar o convite).

Carne nova

Naquela mesma tarde, visitamos outras casas da região (igualmente discretas porém, conhecidas pela vizinhança). Em uma dessas visitas (na rua Carlos Petit), do outro lado da rua havia pelo menos 4 motoboys parados em frente a uma empresa. Ao nos avistarem tocando a campainha, começaram a assobiar e rir de nós, como se festejassem a chegada de “mercadoria nova” ao estabelecimento.

Nosso pretexto era sempre o mesmo, assim como também nos era perguntado se gostaríamos de “fazer um teste para conhecer a casa”. A maioria das trabalhadoras das casas parecia incomodada com a chegada de duas novas possíveis concorrentes mas, em duas pudemos conversar brevemente com algumas delas.

Sandra (que aparentava ter não mais que 20 anos) era uma moça magra, maquiagem carregada, trajando pouca roupa, descalça (sandália de salto alto posicionada ao lado, para ser usada caso chegasse um cliente) e fumando, nos disse que trabalhava no local havia 5 meses mas que já pensava em sair. “Dessa profissão?”, perguntei. “Não, dessa casa. Cliente gosta de novidade: nos dois primeiros meses, você é novidade, todo mundo quer. Mas 5 meses, que nem eu, só cliente novo mesmo ou se o cara gostar mesmo de mim. Tem que tratar bem, sorrir, fazer uma graça. Tem cara aqui que muda de zona junto com a menina, acredita?”. Nos conta que tem uma filha pequena, de três anos e diz à família que trabalha como “copeira numa firma”.

A campainha tocou, e um cliente subiu as escadas do sobrado. Movimentação na casa: hora da apresentação. Numa salinha, cada uma se apresenta ao cliente, dizendo nome (sempre “o de guerra”) e um resumo do que oferece no período contratado. Sandra calça a sandália e espera sua vez.

Terminadas as apresentações das 5 moças, o cliente vai para o quarto com uma delas e Sandra volta, lamentando que “essa semana não tá muito legal, fim de mês”.

Um tour pelos pontos históricos da prostituição paulistana 

Paulo Rezzutti é arquiteto, urbanista, escritor, historiador e membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Apaixonado pela história da ousada marquesa de Santos, mapeou endereços que concentravam a prostituição na cidade de São Paulo do período colonial. “Os primeiros relatos de prostitutas na vila de São Paulo surgem em discussões na Câmara na década de 1570, conta o sócio da empresa Turismo na História, que organiza tours temáticos pelo centro de São Paulo.  “Elas costumavam esperar por clientes nas proximidades dos chafarizes que existiam na então periferia da vila, hoje região central da cidade”.

No século 19, o principal ponto de prostituição da cidade era o trecho entre a atual Rua 15 de Novembro e o Pátio do Colégio. À noite, o comércio se fechava e as mulheres “avulsas” dominavam a rua.

Com a inauguração da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1827, o mercado da prostituição ganhou uma profusão de novos clientes. Jovens estudantes passaram a recorrer frequentemente aos préstimos de meretrizes do centro.

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Os pontos

Pátio do Colégio: À esquerda da igreja, onde hoje está o prédio da Secretaria da Justiça, funcionou no século 19 o Teatro de Ópera, principal ponto de encontro cultural da cidade naquele tempo; muitas das atrizes também eram prostitutas, o que fazia do local um ambiente frequentado por potenciais clientes, ávidos pelo fechamento das cortinas.

Rua das Casinhas: Entre a Rua 15 de Novembro e o Pátio do Colégio ficavam as ‘casinhas’ que, à noite, eram ponto de meretrício.

Recolhimento de Santa Teresa: De 1685 até o início do século 20, abrigava na hoje Rua Roberto Simonsen ‘mulheres avulsas’ e prostitutas aposentadas.

Hotel dos Estrangeiros: No endereço onde hoje há um edifício comercial na Rua Líbero Badaró funcionou, no início do século 20, um movimentado bordel de luxo.

A prostituição em números

 De acordo com a Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC), calcula-se que o Brasil tenha cerca de 1,5 milhões de pessoas, entre homens e mulheres que vivem em situação de prostituição. Acredita-se que esse número esteja abaixo da realidade, já que é muito difícil ter dados quantitativos quando se trata de uma questão que envolve preconceito, falsa moral e pecado.

Segundo dados da FUMEC, 59% são chefes de família e devem sustentar sozinhas os filhos, 45,6% tem o primeiro grau de estudos e 24,3% não concluíram o Ensino Médio. Logo, elas apresentam um baixo nível de escolaridade, o que significa que quase 70% das mulheres prostitutas não têm uma profissionalização.

Ainda de acordo com a pesquisa da Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC), a trajetória das prostitutas de Belo Horizonte, em geral, começa em casas de massagem ou em boates “privês”, onde fazem shows de “strip-tease” e mantêm contatos com seus clientes. Com o passar do tempo, por causa do desgaste com os clientes e da própria depreciação estética, muitas garotas passam a oferecer seus “serviços” em qualquer lugar e vão parar nas ruas. No estudo da FUMEC, 76% das prostitutas entrevistadas apresentaram sintomas de depressão, 59% de stress crônico e 36% disseram ter pensado em suicídio alguma vez desde que começaram no mundo da prostituição.

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Pelo menos 8% do total dessas profissionais do sexo se enquadram na categoria “luxo”. Elas têm formação universitária e, na cidade de São Paulo, os ganhos podem chegar a cerca de 15 mil reais por mês. “Às vezes, as prostitutas têm poder aquisitivo e grau de instrução superiores aos de seus clientes”, afirma o psicólogo Emerson Tardieu, chefe do Departamento de Psicologia da Fumec e coordenador do estudo.

De acordo com o Serviço à Mulher Marginalizada, considerar que a prostituição é uma opção de trabalho, é uma maneira de aceitar que o sexo e o corpo da mulher e são uma mercadoria. Reforçam os conceitos patriarcais que alentam os papéis sexuais de dominação masculina e submissão feminina. Destaca os mitos a respeito do assunto: vida fácil, profissão mais antiga do mundo, não gosta do “pesado”, faz muito dinheiro, não tem caráter e o que se diz: “vagabunda, ninfomaníaca, escolheu livremente a profissão, sabe muito sobre sexo”.

Profissão, (ainda) não. Ocupação.

Em outubro de 2002, o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Portaria Ministerial nº. 397, incluiu as profissionais do sexo na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Segundo o site do próprio órgão, a lista não tem o objetivo de regulamentar a atividade, mas somente identificar as “ocupações no mercado de trabalho, para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares”.

A Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, instituída por portaria ministerial nº. 397, de 9 de outubro de 2002, tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares. Os efeitos de uniformização pretendida pela Classificação Brasileira de Ocupações são de ordem administrativa e não se estendem as relações de trabalho. Já a regulamentação da profissão, diferentemente da CBO é realizada por meio de lei, cuja apreciação é feita pelo Congresso Nacional, por meio de seus Deputados e Senadores, e levada à sanção do Presidente da República.

O código que se refere às profissionais do sexo é 5198-05, sendo que a Classificação prevê como sinônimos os seguintes termos: garota de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta, trabalhador do sexo.

A Classificação aponta as seguintes atividades como sendo ligadas às prostitutas: “Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão.”.

Quanto à formação e experiência, “requer-se que os trabalhadores participem de oficinas sobre sexo seguro; o acesso à profissão é restrito aos maiores de dezoito anos; a escolaridade média está na faixa de quarta a sétima série do ensino fundamental.”.

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A prostituição sob o prisma jurídico

A prostituição no Brasil não é crime, porém, favorecê-la e induzir a ela é ilícito. No Código Penal há quatro artigos especificando o que caracteriza o crime. Um deles é a exploração de menores ou até mesmo o tráfico de mulheres, com penas mais graves.

Do artigo 227 ao 331ª do Código Penal mostram-se várias formas de como se pode criminalizar a prostituição. Atrair alguém para a atividade e tirar proveito financeiro disso (caso das cafetinas e dos cafetões) é uma delas.

O que diz a lei

Induzir alguém a se prostituir
Pena de reclusão de um a três anos.  Com agravantes caso a vítima for menor de idade ou se o autor for marido, irmão ou quem tiver a guarda.    

Favorecimento da prostituição
Facilitar a prostituição ou até impedir que alguém a abandone é um dos  tipos de crimes. A pena varia  de dois a cinco anos de prisão. Caso o ato ilícito for feito com violência, o acusado pode ser punido com até dez anos. 

Ter ou manter casa de prostituição
Manter um lugar destinado a encontros para fim sexual com intuito de lucro é ilegal. Com pena até cinco anos.

Tráfico de mulheres
Promover ou facilitar entrada de mulheres no país para prostituição. A punição para o crime é de até dez anos de prisão. Caso haja violência e se o ato for com intuito de lucro, a pena cresce.

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Fontes:
A vida obscena da São Paulo antiga
Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego
Estatísticas – ONG Marias
Prostituição: Trabalho ou Problema Sócio Afetivo?
Turismo na História