por Felipe Bragança

O Príncipe Eletrônico

    É inegável o recente papel de protagonismo que a mídia ganhou nas últimas décadas na vida em sociedade. Uma série de teóricos de diversos campos têm se preocupado em apontar as consequências dessa recente acessão, sobretudo, ao se tratar de veículos de comunicação de massa e de oligopólios midiáticos.

    Um dos principais expoentes da chamada Escola de Frankfurt ou Teoria Critica foi Theodor Adorno. Ele se notabilizou por caracterizar, ainda na década de 1940, os Meios de Comunicação de Massa como empresas, e sendo assim, elas criam seus produtos voltados única e exclusivamente para a manutenção do lucro próprio, desconsiderando quaisquer preocupações com a formação da população. Adorno abriu caminho para toda uma gama de intelectuais que pelos 50 anos seguintes viria a aprofundar, e, com diferentes abordagens, aplicar os seus conceitos.

    Um dos mais recentes é o conceito de Príncipe Eletrônico de Octávio Ianni, discutido em um artigo¹ de 1999. Na publicação Ianni levanta o conceito original do Príncipe de Maquiavel juntamente ao conceito de Moderno Príncipe de Antonio Gramsci e os compara ao que para ele seria o novo soberano, o Príncipe Eletrônico.

    Esse novo Príncipe compartilharia de muitas características de seus antecessores, ele que está em contato direto com as demandas da população, segundo Ianni: “Trata-se de uma figura que impregna amplamente a política, como teoria e prática. Impregna a atividade e o imaginário de indivíduos e coletividades, grupos e classes sociais, nações e nacionalidades, em todo o mundo.” Entretanto, esse novo príncipe extrapola os anteriores pois além de ter o controle de sua própria virtú, ou seja, de suas próprias qualidades de liderança ele também tem o controle da sua fortuna, que são as condições sociopolíticas ao seu redor.

    O Príncipe eletrônico faz isso via a chamada Indústria da Consciência, termo criado por Hans Magnus Enzensberger. Ele trata de como a consciência é um produto social e está vulnerável às práticas do mundo. Em um ambiente onde as informações vêm mediadas por veículos de mídias esses passam a ser os “arquitetos da ágora eletrônica, no qual todos estão representados, refletidos, defletidos ou figurados, sem o risco da convivência nem da experiência.” Em certo aspecto, o Príncipe Eletrônico de Ianni, seja pela manipulação ou pela omissão de conteúdos, promove em diferentes medidas uma virtualização da realidade.

O Caso Brasileiro

    Tendo como base o conceito acima logo nota-se os riscos envolvidos em se ter um monopólio ou um oligopólio dos canais de comunicação, isso significaria ter uma concentração acentuada da própria construção da realidade produzida continuamente pela sociedade. E nesse ponto, como já foi reconhecido até mesmo internacionalmente pelo Fundador do Wikileaks, Julian Assange² o Brasil está bastante vulnerável.

    Analistas com frequência discordam quanto a quantidade exata, normalmente variando de cinco a nove famílias, mas existe certa concordância no que diz respeito a mídia brasileira estar concentrada nas mãos de poucas veículos de comunicação. Os normalmente mais relacionados são o Grupo Globo (Família Marinho), Rede Record (Igreja Universal do reino de Deus), Bandeirantes (Família Saad), SBT (Família Abravanel), Grupo Abril (Família Civita) e Grupo Folha (Família Frias).

    Para o professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UNB Venício A. De Lima o caso nacional é especialmente mais grave pois esse oligopólio ocorre em diversos níveis, para exemplificar cada uma das situações de oligopólio utiliza-se o Grupo Globo, o oligopólio pode ocorrer em nível:

a) horizontal – Oligopolização ou monopolização que se produz dentro de um mesmo setor.

No caso da Rede Globo de Televisão que segundo seu Atlas de Cobertura³, tem alcance em 99,51% dos aparelhos de televisão e em 98,56% dos municípios. Segundo dados da BBC em 2011 a emissora concentrava cerca de 38,7% do mercado, atualmente com os aumentos de verba via governo Temer a Emissora dispõe sozinha de 25% da verba de Publicidade do Governo Federal.

b) vertical –  Integração das diferentes etapas da cadeia de produção e distribuição.

A Rede Globo de Televisão detém toda cadeia produtiva da produção da maioria de seus programas, no caso de suas novelas inclusive mantem atores, diretores e autores sob contrato de exclusividade.

c) Cruzado – Controle pelo mesmo grupo, de diferentes tipos de mídia em um único mercado.

Para usar o exemplo do estado do Rio de Janeiro o Grupo Globo tem como veículos de comunicação as emissoras de Televisão Rede Globo, Canal Futura e os Canais Globosat (Sportv, Telecine, GNT, etc); Rádios Globo e CBN; O Jornal O Globo; Revista Época; grandes portais de internet como G1, a Som Livre, entre outros.

d) “Em cruz” – Reprodução em nível regional e local dos oligopólios da propriedade cruzada.

O Grupo, especialmente em relação a Emissora de TV é amplamente conhecido pelo seu enraizamento dentro do país via emissoras afiliadas, segundo o atlas da emissora, além das 5 emissoras próprias (TV Globo São Paulo, TV Globo Rio de Janeiro, TV Globo Minas, TV Globo Brasília e TV Globo Nordeste) ela conta com mais 118 emissoras afiliadas pelo Brasil.

É preciso ter em mente também que não só o Grupo Globo concentra boa parte dos investimentos brasileiros em propaganda, como a televisão (aberta e por assinatura) como meio já se mostra um grande monopólio de investimentos concentrando mais de 70% dos gastos com publicidade em dados de 2016, veja o gráfico:

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É ingênuo imaginar que tamanha centralização na audiências e na concentração de renda dos veículos de comunicação não provoque também uma perigosa centralização no discurso que serve de pauta para sociedade. Isso por consequência pode lavar a manipulação das demandas sociais em torno dos interesses privados de uma mídia tradicional de massa.

Apesar de toda discussão promovida neste blog sobre mídias alternativas é preciso lembrar o alcance que esses veículos ainda têm na população, e na consequente construção das narrativas sociais: Em pesquisa ibope, cerca de 82% dos brasileiros assiste TV diariamente, ainda segundo a pesquisa 95% dos brasileiros já acessa internet diariamente, entretanto ao se deparar com os 5 portais de notícias mais acessados 4 são dos mesmos conglomerados tradicionais (1º G1 – Grupo Globo; 2º Uol e 4º Folha de São Paulo – Grupo Folha; e 5º R7 – Igreja Universal do reino de Deus.

Links

(1) http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/article/viewFile/2079/1701

(2) http://refletor.tal.tv/ponto-de-vista/assange-seis-familias-controlam-70-da-imprensa-no-brasil+

(3) http://comercial2.redeglobo.com.br/atlasdecobertura/Paginas/Home.aspx

(4) http://br.kantar.com/m%C3%ADdia/marcas-e-propaganda/2016/abril-investimentos-publicit%C3%A1rios-no-brasil-chegaram-a-35-bilh%C3%B5es-de-reais/

(5) http://www.abert.org.br/web/index.php/notmenu/item/25144-brasileiros-veem-mais-tv-e-usam-mais-internet-que-americanos-e-canadenses-diz-pesquisa

(6) http://baianolandia.blog.br/top-10-maiores-sites-de-noticias-do-brasil-2016/

Fontes

http://refletor.tal.tv/ponto-de-vista/assange-seis-familias-controlam-70-da-imprensa-no-brasil

http://seer.fclar.unesp.br/perspectivas/article/viewFile/2079/1701

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/07/110718_magnatas_bg_cc.shtml

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/07/110718_magnatas_bg_cc.shtml

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/governo-temer-aumenta-em-78-publicidade-na-folhauol/

http://www.revistas.usp.br/revusp/article/viewFile/13317/15135

http://www.seer.ufs.br/index.php/eptic/article/viewFile/4298/pdf

https://contrun.noblogs.org/post/2008/04/14/ind-stria-da-consci-ncia-hans-magnus-enzensberger/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci

https://pt.wikipedia.org/wiki/Concentra%C3%A7%C3%A3o_de_propriedade_da_m%C3%ADdia#Brasil

https://pt.wikipedia.org/wiki/Grupo_Globo

https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Pr%C3%ADncipe

https://pt.wikipedia.org/wiki/Theodor_W._Adorno